Cultura

Em BH, professores da rede municipal investem em suas produções literárias

Incentivados pela prefeitura, educadores vão além da sala de aula e promovem a prática da leitura e da escrita entre alunos

Sáb, 12/10/19 - 03h00

O ano de 2016 chegava ao fim quando Jéssica Rodrigues levou um susto. Com problemas nas cordas vocais, a pedagoga e professora da rede municipal de Belo Horizonte se viu quase impossibilitada de falar, algo corriqueiro. Pouco tempo depois, já em 2017, ela perdeu a voz por quatro meses. O que poderia ser um período de abatimento serviu para que ela organizasse alguns escritos e se lançasse em um campo pelo qual é apaixonada: a literatura. Neste ano, Jéssica publicou, como coautora, duas coletâneas de crônicas e contos e prepara mais dois lançamentos até dezembro, desta vez em projetos solo.

O que a professora não sabia é que muitos colegas também tinham uma produção literária consistente em meio à rotina das salas de aula. Em meados de setembro, Jéssica e outros 54 profissionais participaram de um lançamento coletivo organizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, via Secretaria Municipal de Educação (Smed), na programação da Semana da Educação BH Educa. A iniciativa faz parte do programa Leituras em Conexão, carro-chefe da Smed, que conta com outras ações, como a distribuição de obras literárias para crianças.

“Tive a oportunidade de conhecer vários colegas escritores. É importante dar visibilidade ao nosso trabalho e entender que o docente traz à tona conhecimentos adquiridos não só na sala de aula”, diz Jéssica. “A grande finalidade é valorizar o professor e mostrar à cidade que temos um corpo docente formado também por escritores”, explica o gerente de Bibliotecas da PBH, Ricardo Miranda.

A produção dos profissionais da educação da rede municipal é diversa – há contos, literatura infantil, poesia e ficção. Contar com diferentes abordagens literárias é um ponto a favor. O historiador e doutor em educação Flávio Oliveira, por exemplo, lançou, em junho, um livro de crônicas.

Cego desde a adolescência, ele diz que cresceu em um ambiente que sempre incentivou a leitura e a escrita. A máquina de escrever utilizada naqueles tempos foi substituída por um computador adaptado. Foi dele que saiu “Pequenas Histórias de Luz e Som”, sobre memória e sentidos da percepção com algumas narrativas sobre música permeando alguns textos da obra. Para o docente, é importante observar um ponto: a influência positiva que a iniciativa terá nos alunos. “Incentivar a leitura nesse público talvez seja nosso objetivo final”, avalia.

Inspiração

Isadora Aparecida tem 12 anos e cursa a sexta série do ensino fundamental na Escola Municipal Maria de Rezende Costa, no bairro Alípio de Melo. Ela conta que identificar o professor como protagonista de histórias que mexem com a imaginação dos leitores abre novas portas de conhecimento.

“É um incentivo a mais para começarmos a ler e a escrever mais. Isso nos aproxima deles, sentimos que estamos no mesmo mundo do autor”, diz. “Queremos mostrar ao aluno que é possível tornar-se um escritor, que ele convive com um bem ali na sala de aula, no seu dia a dia”, emenda Miranda, que garante outro lançamento coletivo para o primeiro semestre de 2020, provavelmente em junho.

Autora de seis livros infantis, a pedagoga Sterlayni Duarte, mestra em educação pública com pesquisa em leitura e formação de leitores, afirma que não há como dissociar as duas práticas: “Para ser um bom escritor, tem que ler muito”.

Segundo a professora, é um alento saber que outros colegas se dedicam à literatura e que isso inspira os alunos. Estes, a partir das novas experiências, podem influenciar amigos, pais e irmãos e gerar uma cadeia de cultura e conhecimento. “Cria-se uma comunidade leitora e escritora, e isso transforma comportamentos, valores e realidades”, afirma Sterlayni. 

Obras de professores

“Pequenas Histórias de Luz e Som”, de Flávio Oliveira (Ed. Quixote+Do Editoras Associadas)

“A Vez e a Voz das Palavras”, de Jéssica Rodrigues (Ed. Venas Abiertas)

“Pela Cidade Afora...”, de Sterlayni Duarte (Coleção Histórias em Cena – Páginas Editora)

Palestra

Nesta segunda, às 19h30, na Academia Mineira de Letras (rua da Bahia, 1.466, centro), o professor e escritor Flávio Oliveira, a poetisa Thais Guimarães e a editora Luciana Tanure participam do debate “Os cegos e os livros: Memória, tecnologia e percepção”, que aborda o mercado e a produção literária realizada por pessoas com deficiência visuais. Entrada gratuita.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.