ACM Neto, 2022: uma análise reflexiva acerca da afro-apropriação e da adulteração racial em território nordestino nas eleições de 2022.

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Em setembro de 2022, devido às eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
divulgou para fins estatísticos a autodeclaração racial dos candidatos e candidatas. Tais
dados geraram uma série de debates e ponderações junto à sociedade, organizações
sociais e observatórios eleitorais. Nessa toada, o registro do ex-prefeito de Salvador
António Carlos Magalhães Neto, que se autodeclarou pardo, chamou a atenção do
movimento negro e repercutiu de forma negativa no cenário nacional. Isso porque, o
político que já disputou outros pleitos eleitorais – nos anos de 2006, 2008, 2010 e 2012 –
nunca fez menção sobre a sua raça e sempre constou como “sem informação” nos
documentos encaminhados ao Tribunal.
Ao desfiar a narrativa, é possível perceber que em todo o Nordeste, e em
especial, na Bahia restou uma impressão generalizada de que o político filiado ao União
Brasil, com o objetivo de obter alguma vantagem futura, realizou uma declaração
potencialmente falsa que sinaliza uma afro-apropriação. Com efeito, as discussões acerca
da autodeclaração racial – a identificação racial declarada pela própria pessoa – e da
hetero- atribuição – como os grupos sociais reconhecem racialmente determinado ser
humano vieram à tona e protagonizaram as pautas durante o período eleitoral.
A amplitude dos debates se faz importante e merece uma análise reflexiva ao se
observar o regramento e novo entendimento do TSE estabelecido em 2020 fruto de uma
consulta da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e que entrou em vigor para as
eleições de 2022. Segundo o Tribunal, a distribuição dos recursos do Fundo Especial de
Financiamento de Campanha e (FEFC) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no
rádio e na televisão deve ser proporcional ao total de candidatos negros e candidatas
negras que o partido registrar para os cargos eleitorais.
O Ministro Luís Roberto Barroso afirmou em discurso histórico que essa decisão
sinalizava o compromisso do Tribunal de combater o racismo e de que a história do Brasil
passava a ser escrita com tintas de todas as cores. Tal ação afirmativa repara injustiças
seculares. O presidente do TSE reforçou ainda: “O racismo no Brasil não é fruto apenas
de comportamentos individuais pervertidos, é um fenômeno estrutural, institucional e
sistêmico. E há toda uma geração, hoje, disposta a enfrentá-lo”. Assim, abre-se um novo

caminho para aqueles e aquelas que largam em desvantagem e possibilita que tenhamos
o enegrecimento dos espaços de poder públicos de destaque.
Nessa perspectiva, houve, ao analisar as estatísticas, um aumento no registro de
autodeclarações negras em especial dos mesmos candidatos que disputaram eleições em
2016 e 2020. Frise-que, de acordo com os dados da Justiça Eleitoral, cerca de 30% de
deputados estaduais e federais que disputaram a reeleição em 2022 mudaram suas
autodeclarações de brancos para pardos. Assim, 68 de 241 parlamentares reeleitos
acessaram a política de reparação racial do fundo partidário a partir de uma adulteração.
Com efeito, ACM Neto se torna a expressão mais polêmica em território
nordestino desse novo fenômeno político- eleitoral de afro-apropriação. O político filiado
a um partido de direita, originário de uma das maiores aristocracias da região e herdeiro
do berço do coronelismo reivindica agora seu pertencimento de raça. O ex-prefeito não
assume, dessa forma, que faz parte de uma comunidade privilegiada, opressora e racista,
que tem ainda mais poder num estado como o da Bahia com uma população alta estimada
de pretos e pardos. Em que medida vale a pena a adoção de uma estratégia dessas em uma
campanha eleitoral?
Em entrevista a uma televisão baiana, o candidato ao governo foi questionado
sobre o assunto pelo apresentador e respondeu: “Quem é que faz a minha leitura social
como branco? Porque eu me considero pardo. Você pode me colocar ao lado de uma
pessoa branca e há uma diferença bem grande. Negro, não. Não diria isso, jamais!”. De
forma grosseira e até vexatória, o ex-prefeito sinaliza seu total desconhecimento sobre
um assunto de forte relevância e impacto social: O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas (IBGE) implementou a metodologia de unir pretos e pardos no grupo racial
negro por entender que existe pouca diferença socioeconômica entre eles.
Isso significa dizer que o gestor público responsável por administrar a capital da
Bahia por vários mandatos e ex-deputado federal demonstra que negligencia a
classificação racial nos territórios e diminui um dos maiores instrumentos para
fundamentar e implementar as ações de políticas públicas afirmativas. As falas de ACM
Neto: “Então o erro é do IBGE, não é meu”, causam um retrocesso e precarização na
construção de toda a reparação racial que advém dos dados demográficos.
Cumpre expor ainda que o candidato nessa aparição pública estava com uma
aparência de cor mais escura e foi veiculado que teria passado por uma espécie de

bronzeamento artificial para enegrecer sua aparência. Houve uma forte repercussão e a
polêmica ficou ainda mais fortalecida junto às mídias digitais a partir de fotos
comparativas de eventos públicos passados que o mostravam com a cor mais clara. ACM
Neto negou, no entanto, que teria feito tal procedimento.

Diante de todos os fatos narrados, o candidato a deputado federal Jorge X (PSOL-
BA) entrou com um requerimento e a Corregedoria-Geral Eleitoral decidiu que o

candidato ao governo deveria prestar esclarecimentos sobre a possível falsa
autodeclaração racial para futuro benefício da ação afirmativa consolidada pelo TSE. Os
advogados se manifestaram explicando que não existem provas capazes de indicar uma
fraude, abuso de poder ou conluio com o objetivo de se locupletar de verbas ou tempo de
propaganda no rádio e tv destinados às candidaturas negras.
Ressalte-se que a legislação eleitoral avançou muito no sentido do progresso da
justiça e igualdade racial no Brasil, no entanto, urge a necessidade de se configurar e
implementar novos parâmetros que combatam e eliminem a falsidade ideológica e a
adulteração racial nos processos eleitorais futuros. Utilizar os mecanismos já existentes
em outros processos de ações afirmativas pode ser o caminho mais próspero para a
transparência política. O alto número de casos fraudulentos não pode permanecer, uma
vez que impacta negativamente o combate ao racismo brasileiro e acaba por referendar a
violência secular contra toda população negra.

Por todo o exposto, conclui-se todo esse processo de adulteração e afro-
apropriação potencialmente imputados ao candidato ACM Neto no Nordeste levantou os

debates públicos. Não podemos aceitar essa falsidade ideológica racial e recuarmos em
todo o processo histórico que trouxe uma série de avanços das políticas de promoção da
igualdade racial nos espaços públicos de poder e de destaque. É de atribuição do judiciário
brasileiro formalizar e implementar uma comissão permanente e especializada para as
discussões e debates da classificação racial dos candidatos negros e candidatas negras.

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